Quando encontrei minha doppelgängster

Esse texto é a continuação do conto Quando encontrei minha…, que a Denise escreveu. Funciona assim: uma começa, a outra termina e vice-versa. O tema é escolhido por quem começa e é surpresa pra quem termina, só descobrimos junto com vocês, quando for publicado. Vamos ver no que vai dar. A parte mais clara é o que a Denise já escreveu, pra vocês relembrarem.

Uma vez me disseram que todo mundo tem seis cópias idênticas espalhadas por aí. Disseram também que 99,99% das pessoas nunca encontra com sequer uma de suas cópias durante a vida toda, essa ideia sequer passa por suas cabeças e elas vivem muito bem com isso. Nessa ocasião, a primeira coisa que me veio a cabeça foi “sem chance de existirem sete Johnny Depp e nenhum ter esbarrado em mim ainda”.
Seja lá o que eu tenha tomado naquele dia, foi forte e eu esqueci dessa conversa de maluco assim que a ressaca começou.

Até ontem.
Quando encontrei uma garota exatamente igual a mim.

Ok, não era exatamente igual a mim, até porque deve ter no mínimo cinco anos menos, e mais espinhas.

Derrubou metade do meu café ao colocar a xícara no balcão, quando olhei pra garçonete e estava prestes a reclamar da sua falta de jeito, percebi que a conhecia de algum lugar. A garota tentava não me encarar e parecia agoniada e ansiosa para sair dali.

Os cachos muito curtos davam outra moldura ao rosto e deixava a nuca à mostra como eu nunca tive coragem de cortar, mas era óbvio de quem eram aquelas sobrancelhas e o nariz nem um pouco delicado.

Lembrei de De Volta para o Futuro e me perguntei se aquela poderia ser a filha que ainda não tenho, que viajou no tempo para me dar um aviso importante. “Pare de beber e pensar em coisas malucas” seria um bom aviso.

OU ela poderia ser minha irmã. Será que meu pai andou ciscando em terreno alheio? Ele não teria coragem. Não com a mulher maravilhosa que a minha mãe é e a criança adorável – auto estima, hello! – que eu era.

Talvez ela fosse a minha Doppler alguma coisa… como era o nome daquilo?

Enquanto a outra eu limpava e recolocava o café, busquei no celular: doppelgänger! Um ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntida de uma pessoa que ele escolhe ou passa a acompanhar – tipo um Power Ranger? Não! Tipo Homens de Preto, é! – ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo as suas características internas mais profundas.

Tá bom! Como se eu pudesse ser tão desastrada quanto a versão Marley de mim que – eu acabara de notar – estava parada na minha frente, com os mesmos olhos assustados, esperando o dinheiro do café.

Me apressei em pegar o dinheiro e, antes de pagar, escrevi no guardanapo: Me liga, somos iguais!

Oi? Me liga, somos iguais? Sério, PARE DE BEBER!

Naquela tarde, para a surpresa geral da nação, a mini me ligou:

– Oi. É você. Quer dizer, sou eu. Que parece com você. Do café.

– ahm. Oi! Tudo bem?

– Tudo. Olha, eu não tenho muito tempo, então vou falar rápido: O meu nome é Vanessa, sou garçonete e tenho uma família muito pobre. Entrei numa roubada outro dia e peguei dinheiro emprestado de uns caras da favela – impressionante como aquela gente tem dinheiro escondido! Enfim, eu precisava de dinheiro pra comprar remédios para meu irmão. Só que agora não consigo pagar e….

(falando quase sem respirar, ela não me dava oportunidade para participar da conversa. Eram 18 horas. Hora de ir pra casa. Fui saindo do escritório enquanto a menina matracava do outro lado)

– … eles estão atrás de mim. Eu tava enlouquecida procurando uma solução quando você apareceu! Então me desculpa, por favor, me desculpa. Mas eu te segui e vi onde você trabalha e falei pra eles me encontrarem – quer dizer, TE encontrarem aí. Então, é isso. Me desculpa. Tchau.

A linha ficou muda e eu fiquei parada, no meio da calçada.

Que diabos ela acabara de falar?

Antes que eu pudesse elaborar uma resposta, um carro parou na minha frente. Dois homens desceram, me seguraram pelo braço e colocaram um capuz na minha cabeça. Tudo ficou escuro.

Doppelgängster.

como o pateta

Já estava amanhecendo.

Ela podia sentir o sol alcançando o seu braço e uma pequena onda de calor se espalhar pelo seu corpo, como se dissesse para não se preocupar.

O amadurecimento do ser humano é uma coisa engraçada. Sempre pensamos que o problema que estamos enfrentando é a tragédia dos últimos tempos e que, se não o resolvermos, o mundo desabará sob nossos pés. Com o tempo, percebemos que o que passou não era tão monstruoso, era um aprendizado. E que hoje somos pessoas mais sensatas por causa disso.

Ainda assim, enfrentamos as dificuldades como emergências irremediáveis. A diferença é que, sendo adultos, sabemos – na maioria das vezes – que aquilo nos trará algo de bom. O sofrimento desabrochará e nos trará paz para seguirmos em frente.

É como… remédios. Ficamos doente quando crianças e esperamos que a saúde venha em um passe de mágica. Quando crescemos e saímos de casa, aprendemos que precisamos tomar aquele remédio ruim para a dor ir embora.

Quando ela era criança, seus pais a faziam tomar remédio tampando o nariz, pra não sentir nada – “como o pateta”. Anos mais tarde eles confessaram ter inventado a brincadeira, mas ela ainda pensava: por que não?

Era isso, então, o que ela faria. Tamparia o nariz e enfrentaria o fantasma do passado que, every now and then, voltava para lembrá-la daquela ferida aberta.

Afinal, o sol já brilhava em seu rosto, tinha um dia lindo nascendo na sua janela e tudo – TUDO – ficaria bem.